sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Aos meus alunos da licenciatura - aula de hoje - jurisprudência relacionada com os casos práticos

1 - O primeiro caso prático resolvido na aula de hoje implicava a análise do conceito de justo receio, baseando-se, em parte, em factos retirados do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-02-2006, proferido no processo n.º 1020/2006-6, cujo sumário é o seguinte: "I. Para que seja legítimo o recurso, em termos gerais, ao procedimento cautelar comum é necessário que concorram determinados requisitos, entre os quais importa salientar, pela sua relevância: a aparência da existência de um direito e o perigo da insatisfação desse direito. II. Não é necessário que o direito esteja plenamente comprovado, mas apenas que dele exista um mero “fumum boni juris”, ou seja, que o direito se apresente como verosímil. III. Também não é necessário que exista certeza de que a lesão do direito se vai tornar efectiva com a demora, bastando, mas exigindo-se, que se verifique um justo receio de tal lesão vir a concretizar-se.".
Do mesmo acórdão se retira também, com algum interesse, o seguinte segmento: "(...) como tem entendido a doutrina e a jurisprudência, o critério de avaliação do “fundado receio”, deve assentar em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo, não bastando simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados, assentes numa apreciação ligeira da realidade Alberto dos Reis, Cód. Proc. Civil Anotado, vol. I, pág. 684 e Ac. RL, de 26.05.83, in Col. Jur., 1983, tomo III, pág. 132 e Ac da RP de 27.11.2003, acessível em http://www.dgsi.pt/jrp. Na apreciação do aludido “justo receio” de grave lesão futura e dificilmente reparável, há que avaliar, de forma objectiva, todas as circunstâncias que rodearam a prática dos factos, tomando em consideração os interesses em jogo para ambas as partes, a condição económica de cada uma, a anterior conduta do requerido e sua projecção em comportamento subsequente. Enfim, deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, sob risco de total ou parcial ineficácia da acção (declarativa ou executiva), intentada ou a intentar."


2 - O segundo caso prático conduzia a um problema muito simples e que a lei hoje resolve expressamente: o prazo de 30 dias para intentar a acção principal, após ter sido decretada a providência cautelar suspende-se nas férias?
Como bem se escreveu no
acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-02-2005, proferido no processo n.º 890/2005-6, "os Processo relativos às Providências Cautelares, revestem o carácter de urgentes apenas até à decisão que procedeu à sua apreciação, tendo-se em consideração o requisito essencial que lhe atribui essa necessidade de celeridade, o “periculum in mora”. Apreciada e decidida a Providência Cautelar, perde desde logo a natureza de processo urgente e passa a correr termos normalmente como qualquer outro processo.", considerando-se, no caso concreto que "é evidente que a acção da qual a providência depende, não é processo urgente e por isso não está abrangido pela ressalva do n.º 1 do art.º 144.º do CPC. Não se pode estabelecer qualquer confusão entre as providências cautelares e as acções de que elas são dependentes. A pensar-se como a apelante, sempre que se requeresse uma providência cautelar o processo de que ela dependesse passaria “ipso facto” a processo urgente. Estaria assim descoberta a forma de incutir celeridade processual às acções de processo comum. A questão é de tal modo cristalina, que não se vê necessidade de alongadas considerações sobre esta questão, mas sempre se dirá que, atendendo a que o despacho que decretou a providência cautelar foi proferido em 4/08/2003, durante as férias judiciais que se prolongaram até ao dia 15 de Setembro, o prazo de 30 dias para o requerente intentar a acção principal, ficou interrompido desde a data em que foi proferida até ao dia 15 de Setembro, decorrendo o prazo de 30 dias até ao dia 14 de Outubro, data em que deu entrada na secretaria a respectiva petição inicial."


3 - O terceiro caso era o mais complexo e prendia-se com o delicadíssimo nexo de instrumentalidade entre a providência e o direito que se pretende acautelar na acção principal. A factualidade foi retirada, no essencial, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 16-12-2003, proferido no processo n.º 7023/2003-7, onde se concluiu que "a apreensão de veículo automóvel constitui uma providência que, no que concerne ao contrato de compra e venda com reserva de propriedade, visa antecipar o efeito da resolução do contrato" e "requerida a providência na dependência de uma acção em que, em vez da resolução do contrato de compra e venda, é pedido o reconhecimento da validade da resolução do contrato de mútuo destinado a financiar a aquisição do veículo, a par do reconhecimento de que o mesmo pertence à beneficiária da reserva de propriedade, deve a providência ser indeferida por faltar o nexo de instrumentalidade em relação à acção principal."


4 - O quarto caso prático foi adaptado também de
um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, mais precisamente o recente de 07-12-2007, proferido no processo n.º 10653/2007-7, onde se escreveu o seguinte: "A circunstância de perdurar há algum tempo situação causadora de lesão grave e dificilmente reparável de um direito obsta ao indeferimento liminar da providência em que se pretende que se ordene a evacuação de animais e materiais pertencentes aos requeridos que integram uma exploração pecuniária não licenciada que ocupa parte do prédio do requerente. É que, fora da protecção cautelar, estão as lesões consumadas, mas não as lesões continuadas ou repetidas, pois importante é que a situação de perigo seja actual. As lesões ocorridas subsistentes fortalecem a convicção da gravidade da situação e reforçam a necessidade de tutela cautelar para evitar a repetição ou persistência dessas situações lesivas."
Desenvolveu-se, a certo ponto da fundamentação, o seguinte aspecto:
"Ao invés do que consta da decisão agravada, não pode extrair-se do facto de o diferendo recuar a 2004 ou 2005 argumento que permita justificar o indeferimento liminar. A maior duração da situação apenas agrava a situação danosa, ao invés do que concluiu o tribunal a quo.
Nem o facto de a requerente se ter abstido de interpor qualquer acção com carácter definitivo pode ser invocada. É que o CPC prevê no seu art. 2º o exercício do direito de acção, como direito subjectivo oposto ao dever do Estado de dirimir litígios de direito privado, bem diverso de um dever de agir judicialmente com consequências na apreciação liminar das pretensões deduzidas.
A requerente, como alega, procurou encontrar nas autoridades administrativas a solução para o caso. Atitude que, se for verdadeira, é irrepreensível, pois que, sem embargo dos efeitos que a situação provoca na sua esfera jurídica, existirão outros bem mais graves que devem ser tutelados por entes públicos, ainda que com posteriores reflexos na esfera dos direitos privados.
A crer naquilo que a requerente alega, a ocorrência de perigos para a saúde pública, a violação de preceitos regulamentares em termos de licenciamento de explorações pecuárias ou o incumprimento de normas legais relacionadas com a posse de animais apresentam virtualidades que bem poderiam ter servido para que a fonte de perigo fosse administrativamente eliminada sem os encargos que decorrem do recurso aos tribunais cíveis.
Não tendo surtido efeito as diligências que a requerente terá empreendido, não poderá de modo algum ser penalizada.
O não exercício anterior do direito de acção judicial e, mais do que isso, a opção pelo accionamento de mecanismos de direito administrativo com posterior inércia dos entes públicos jamais pode redundar em prejuízo dos titulares de direitos afectados e que se encontrem em situação de lesão grave, iminente ou reiterada."

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