sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Aos meus alunos - Aula prática de hoje - Intervenção de terceiros - Alguma jurisprudência

1) O primeiro caso prático de hoje resultou de uma adaptação da hipótese analisada no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-10-2004, proferido no processo n.º 0434954, cujo sumário é o seguinte: "É de admitir a intervenção acessória do construtor de um imóvel requerida pela vendedora de uma das suas fracções demandado por defeitos alegadamente existentes na dita fracção."
O acórdão tem dois grandes pontos de interesse.
Por um lado, apresenta-nos um configuração "clássica" da intervenção acessória, com a presença evidente de direito de regresso do réu face ao terceiro.
Por outro lado, trata de hipótese de errada qualificação do regime de intervenção, permitindo que o tribunal corrija oficiosamente tal qualificação, admitindo a intervenção acessória quando lhe é pedida a intervenção principal. Tem sido essa a posição maioritária na jurisprudência, seguindo uma lógica de aproveitamento de actos (leiam-se, por exemplo, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa
de 22-04-2004, proferido no processo n.º 745/2004-6, de 28-06-2007, proferido no processo n.º 1444/2007-6, de 19-10-2006, proferido no processo n.º 7423/2006-6, e de 08-05-2003, proferido no processo n.º 10688/2002-6, e do Tribunal da Relação do Porto de 15-10-2007, proferido no processo n.º 0733398), que será, em geral, de subscrever, desde que do requerimento de intervenção resultem claramente os respectivos fundamentos.


2) O segundo caso foi adaptado do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 19-10-2006, proferido no processo n.º 6370/2006-2, cujo sumário é o seguinte: "I - A parte que requeira a intervenção principal, consoante o nº 1 do art. 325 do CPC, pretenderá chamar à causa determinada pessoa que nos termos do art. 320 do mesmo Código pudesse intervir espontaneamente; pode, pois, o R. provocar o chamamento de uma pessoa para intervir em litisconsórcio voluntário ou necessário ao seu lado ou ao lado do A., bem como em coligação ao lado do A.. II – O art. 329 do mesmo Código transmite-nos mera especialidade de procedimento em relação ao regime geral do incidente cuja motivação envolvente deriva do facto de se tratar de intervenção passiva suscitada pelo réu. III – Se os RR. consideram inexistir fundamento para serem demandados, daí pugnando pela sua absolvição do pedido, defendendo caber a responsabilidade pelos prejuízos sofridos pelo A. a outrem cuja intervenção principal como RR. pretendem, não perspectivam nenhuma situação de litisconsórcio – perspectivam, antes, uma situação equivalente a uma “substituição passiva”, já que os eventuais devedores não seriam eles, RR., mas o terceiro que por eles é chamado, não sendo admissível a intervenção principal provocada."
Como ali se escreveu: "Não estamos, perante uma situação de existência de «condevedores» (os RR. e o chamado não são, no âmbito da mesma relação material controvertida, devedores do A.) ou em que o chamado seja (também naquele âmbito) o principal devedor; não se trata de obrigação solidária em que a prestação tenha sido exigida na totalidade a um dos «condevedores», pelo que não faz sentido a referência a direito de regresso por parte da agravante."
Atendendo ao disposto no artigo 26.º do CPC, nem sequer se levantava um problema de legitimidade, mas apenas de simples procedência ou improcedência da acção.


3) O terceiro caso é muito simples e foi adaptado da hipótese apreciada no
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2006, proferido no processo n.º 06A298. Dele decorre a singela conclusão de que não é possível condenar o chamado no regime da intervenção acessória provocada. Ele fica abrangido pelo caso julgado, nos termos e limites concretamente apreciados na acção, mas não poderá ser condenado (não é uma parte principal e não vê contra ele deduzido um pedido). Só poderá sê-lo numa (eventual) subsequente acção de regresso.


4) O quarto caso resulta de uma adaptação do que foi analisado no
acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-03-2007, proferido no processo n.º 10642/06-2, cujo sumário é o seguinte: "O incidente de intervenção acessória tem como única finalidade estender ao chamado o efeito de caso julgado a obter com a decisão a proferir na acção, em particular se ela for condenatória. O que se pretende é evitar que na acção de regresso que, eventualmente, venha a ser posteriormente instaurada, a parte demandada possa questionar o resultado da acção anterior, onde foi proferida a condenação que serve de base à acção de regresso.
Tal incidente não interfere com a delimitação do objecto da acção, mantendo-se inalteradas as questões submetidas à apreciação do tribunal, sendo o chamado admitido a discuti-las, na medida em que nisso possa ter interesse, sendo-lhe estendido, a final, o efeito de caso julgado a formar com a decisão que vier a recair sobre o objecto da acção.
Não é impeditivo da intervenção acessória o facto de a eventual acção de regresso ser da competência material dos tribunais administrativos.
O juízo de viabilidade da acção de regresso, e o da sua conexão com a causa principal, previstos no n.º 2 do art.º 331 do CPC, são formulados em abstracto, confrontando os fundamentos da acção com os do invocado direito de regresso."

Tem-se vindo a admitir que "numa acção de responsabilidade civil extracon­tratual cujo processo corre termos entre dois particulares, a intervenção acessória de ente público provocada pelo réu com base em eventual direito de regresso não interfere na competência material do tribunal judicial" - cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
de 18-09-2007, proferido no processo n.º 10/06.4TBCVL-A.C1.
Considerando que a incompetência em razão da matéria não permite a intervenção de terceiro a título principal, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-05-2000, in CJ, t. III, pág. 84. Existem já precedentes judiciais no mesmo sentido, embora seja mais fácil encontrá-los entre as decisões anteriores à reforma de 1995/96. Apesar de se referirem ao então designado "chamamento à autoria", o juízo que lhes é inerente deve considerar-se transponível para a actual intervenção acessória provocada. Veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-06-1988, in BMJ 378, pág. 650 ("Dispondo o nº 1 do artigo 325º do Código de Processo Civil que o réu pode chamar à autoria o terceiro contra quem tenha acção de regresso e sendo jurisprudência assente que esta deve reportar-se a uma relação conexa com a relação controvertida, não exige a lei que tanto a relação principal como a conexa devam ser dirimidas em tribunal da mesma espécie. Em acção de demolição de obras licenciadas pela câmara municipal a correr termos no tribunal comum deve ser admitido o chamamento à autoria da câmara municipal com base em invocado direito de regresso do réu contra a câmara por falta de diligência desta no processo de licenciamento das obras, ainda que a acção de regresso contra a autarquia, para definir e averiguar da sua eventual responsabilidade, deva ser proposta no Tribunal Administrativo competente"). Mas também em decisões mais recentes, aplicando já as normas do CPC actualmente em vigor, é possível encontrar acórdãos de cuja fundamentação de pode retirar a possibilidade de intervenção provocada de terceiro que tenha com o réu uma relação administrativa. Veja-se, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-06-2006, proferido no processo n.º 05S4032, em que, tendo sido requerida a intervenção acessória provocada da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, se considerou inadmissível tal intervenção, não por a sua relação com a ré ter natureza jurídico-administrativa (embora o sumário possa enganar, a este respeito), mas sim porque o réu não conseguiu convencer o tribunal da viabilidade da futura acção de regresso. Para uma hipótese inversa, em que se admitiu, na acção administrativa, a intervenção acessória de um terceiro, ainda que a relação (com esse terceiro) exceda o âmbito das relações administrativas, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-06-2000, proferido no processo n.º 045860, também in BMJ 498, pág. 259.

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